Jovens monitoram qualidade da água no Rio Arapiuns
/Com microscópio de papel, jovens do PAE Lago Grande, coletaram amostras do rio e dos poços da aldeia Camará. Acompanhados da equipe Técnica da Sapopema e Projeto Bonds, analisaram a presença de microorganismos
O despejo de dejetos nos rios da região é uma das grandes preocupações de quem mora às margens do Rio Arapiuns em Santarém. É dele que vem a água para o consumo para as famílias que não possuem poços. Nos últimos anos, os moradores têm percebido que a coloração mudou e suspeitam da contaminação do recurso hídrico.
Segundo o agricultor Antônio Elves da aldeia Camará, região do Rio Arapiuns, diariamente embarcações despejam fezes e urina no rio, afetando quem ingere o líquido e depende dele para as atividades do dia a dia. O morador relatou que nos últimos anos, pessoas adoeceram com alergias de pele e problemas gastrointestinais.
No período de 29 a 31 de agosto, a Sapopema e o Projeto Bonds, realizaram ações de capacitação com o Coletivo “Guardiões do Bem Viver'. A programação contou com apoio do Projeto Vozes do Tapajós Combatendo as Mudanças Climáticas (VAC-Tapajós), Projeto Saúde e Alegria e Projeto Saberes.
Dentre as atividades, uma das oficinas capacitou os jovens do coletivo para manusear o foldescope - um microscópio de papel, usado pela Sapopema no projeto Ciência Cidadã para a Amazônia. O equipamento foi utilizado para analisar a qualidade da água dos pontos coletados, conta a pesquisadora da Sapopema, Neriane Mota: “Nós trabalhamos como eles vêm percebendo que o rio está mudando, a coloração, a temperatura, doenças de pele que vem ocorrendo em relação a água. Com um microscópio de papel, eles fizeram a análise da água de diferentes pontos do rio e poço e analisaram. Saiu a proposta de encaminhamento de um documento à Ufopa solicitando um estudo mais detalhado do que está acontecendo no rio Arapiuns”.
O equipamento possibilita a análise da presença de microorganismos, como a ameba - presente em todas as amostras. “Essa tecnologia acessível, integra crianças, jovens e adultos, oportunizando o acesso à ciência, empoderando esses participantes do processo de ciência cidadã”, contou a pesquisadora da Sapopema, Samela Bonfim.
O ‘Ato em defesa da Amazônia’ destacou ainda os impactos do desmatamento, poluição dos rios e ações predatórias, que afetam as populações tradicionais da floresta. Iindígenas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras têm sentido na pele as mudanças que vêm ocorrendo nos territórios. “Hoje está muito mais quente. Antes a gente trabalhava na roça até depois do meio-dia e agora depois das 10h fica insuportável, não tem condições de trabalhar”, narrou Antônio Elves.
Na aldeia Novo Horizonte, famílias que sobrevivem do plantio de mandioca, têm notado a transformação no clima, no rio e respectivamente no modo de vida comunitário, contou a cacica Ediane Mota: “O clima está muito quente e a água também. A gente não pode tomar banho no rio qualquer hora mais, só de noite ou de manhã cedo”.
Ambas comunidades dependem da água do rio para consumo e afazeres domésticos. Maria Tavares, 2ª cacica da aldeia Camará, reforça que nos últimos anos, a temperatura mudou consideravelmente e que os moradores têm sofrido com as alterações climáticas: “A quentura aumentou demais, a temperatura do rio mudou. Antigamente a gente tomava banho no rio e a água era bem geladinha, hoje em dia, a água está muito quente. Quando dá meio dia parece que sobe a quentura do chão igual fogo. Até debaixo das árvores a gente sente o vapor da quentura que vêm”.
O evento promovido, discutiu a temática do clima e mudança da água, através de debates, rodas de conversa, oficinas, exposições e grupos de trabalho. Os participantes também utilizaram jogos para dialogar sobre a gestão socioambiental da Amazônia no contexto das mudanças climáticas: PescaViva, REHAB e Jogo da tartaruga, uma iniciativa do Projeto Bonds/Sapopema. “A gente elaborou uma programação junto com eles para trabalhar essas problemáticas. Além disso, eles construíram um mapa com as problemáticas que afetam o território. Esse mapa será usado em outras atividades para discutir sobre o tema” – acrescentou Mota.
O momento ápice da mobilização foi a tarde do dia 31 de agosto, quando foi realizado o ato em defesa da Amazônia. Barcos, pequenas embarcações e rabetas, realizaram o ‘rabetaço’, uma navegação de protesto pelas ações predatórias no território. Darlon Neres do Coletivo Guardiões do Bem Viver, um dos idealizadores da ação, contou que o objetivo da proposta é chamar atenção para a crise climática e o aquecimento global nas comunidades a partir do envolvimento da juventude. “Ecoamos o grito que vem da Amazônia durante o rabetaço onde as pessoas falaram da água e do clima e como isso tem impactado a vida das populações” – esclarece.
Preocupado com o futuro nas comunidades, o jovem Ian Sousa, um dos Guardiões do Bem Viver, disse que eles temem como a Amazônia estará nas próximas décadas se o ritmo de desmatamento continuar. “Estamos buscando fortalecer a luta em defesa do território”.
Estudos realizados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro ao longo de dez anos no PAE, têm investigado as alterações no volume de chuva, período das chuvas, índice pluviométrico, temperatura, qualidade da água e do solo, que tem se acentuado. Segundo o professor da UFRJ / Projeto BONDS, Gustavo Mendes, os resultados apontam “Uma série de mudanças que estão influenciando transformações no modo de vida dessas populações. O impacto das mudanças climáticas é sentido por todas as populações do PAE Lago Grande”. Para o pesquisador, o papel dos jovens é muito importante para mitigar os impactos dessas transformações. “Os guardiões representam a força da juventude nesse processo de organização social e que passa pelos adultos, lideranças e principalmente pela juventude que assume esse papel de liderança no PAE Lago Grande”.
Também participaram do encontro representantes do Conselho Indígena Tupinambá (CITUPI). “A presença das organizações é mais uma força para se somar a essa luta em defesa do território, do bem viver. Pela manhã nós presenciamos uma cena triste para nós povos indígenas, a passagem de balsas com madeira da região”, narrou Lucas Tupinambá.
*Fotos: Guardiões do Bem Viver