“Essa água não presta pra beber. Em 64 anos, nunca ficou desse jeito. Barco não entra mais”, lamenta pescador do Tapará
/Seca extrema tem afetado a vida de populações ribeirinhas do baixo Amazonas. Região do PAE Tapará se articula para pedir autorização da Semma para retirada de peixes dos lagos
Os canais que ligam as comunidades de várzea ao rio Amazonas, chamados ‘braços’ navegáveis, estão em níveis de alerta. Segundo a Defesa Civil, o rio Tapajós atingiu no último domingo (8), a marca de 94 cm, 38 centímetros da menor cota já registrada no município. O rio Amazonas, segundo avaliação dos moradores, está a poucos metros de chegar a maior seca de 2010. “Pelo que a gente já vem notando, faltam 20 centímetros pra chegar nela”, conta Antônio Pimentel ‘Macambira’ da comunidade Tapará Grande.
Com a seca, a passagem de embarcações maiores já foi suspensa em algumas comunidades. É o caso de Tapará Miri, que há dois meses sediou a vivência formativa em território de várzea, com recepção de mais de cem pessoas, que desembarcaram no BM Saúde e Alegria. A chegada à comunidade só está sendo possível por meio de pequenas bajaras e canoas. “O acesso está ficando limitado. Inclusive ainda vai vazar mais um pouco até chegar em dezembro. A situação está difícil”, confessou o pescador Jocenil Moura.
A estiagem está prejudicando a pesca artesanal, principal fonte de subsistência e alimentação dos moradores. “O peixe está ficando difícil porque não pode pescar porque o rio está muito baixo”, comentou. Em mais de três horas de pescaria, só conseguiu capturar um aracu para o almoço.
Com o nível do rio muito abaixo do esperado, o acesso à água para consumo também foi prejudicado. A maior parte das comunidades utiliza a água do rio para os afazeres domésticos, incluindo o preparo da alimentação. “A seca dificulta a nossa vida. A água que a gente usava e pegava aqui na beira, não tem condições, está só lama”.
A solução que as comunidades do PAE Tapará encontraram foi conseguir água do microssistema de Santana do Tapará, que possui um poço. O grande desafio em meio à seca é chegar lá com os recipientes. “Essa água aqui não presta pra beber. Tem que buscar no Amazonas. Estou com 64 anos, nunca ficou desse jeito. Barco não entra mais”, comentou o pescador Jocenil Moura.
Com a restrição do acesso e dificuldade para conseguir água potável, algumas escolas estão adaptando o formato das aulas. Igarapé da Praia adotou o ensino remoto, explicou o presidente da comunidade, Francisco Vasconcelos. “Ficou seco. Onde tem água a gente só pode usar ela até 10h. Desse horário em diante não se pode colocar nem a mão dela. A aula parou. Os alunos passaram a estudar remoto”. Outras seguem enfrentando dificuldades para conseguir encontrar meios para que os estudantes cheguem às unidades de educação.
“Essa estiagem a gente não esperava que viesse com impacto muito grande pra nossa comunidade. O transporte dos alunos está com dificuldade porque o barco não vai mais buscar. Estamos solicitando uma caminhonete para conduzir os alunos e alimentação” - Clodoaldo Miranda 'Dinho' - presidente de Costa do Tapará
“A água vazou. Vai ficar sem água potável para beber. E provavelmente vai parar porque não tem como chegar na escola. Daqui mais uns dias não vai passar nem bajara e vai fechar o trânsito”, Amarildo Fernandez- presidente da Associação de Tapará Miri.
Mortandade de peixes
Com o esvaziamento dos lagos, tem acontecido o superaquecimento do pouco de água que resta. Isso expõe risco aos peixes que são fonte de renda e alimentação dos pescadores, explica a bióloga da Sapopema, Poliane Batista: “A intensidade da seca esse ano é motivo de muita preocupação pelas comunidades. Já verificamos vários relatos de dificuldade de acesso à água potável e potenciais impactos nos estoques pesqueiros, como a mortalidade de peixes”.
No último sábado (07/10), as comunidades do PAE Tapará Pixuna: Tapará Miri, Santa Maria, Tapará Grande, Santana do Tapará, Boa Vista do Tapará, Barreira do Tapará, Correio do Tapará, Costa do Tapará, Igarapé da Praia e Saracura se reuniram para buscar soluções para os problemas decorrentes da seca. Um dos encaminhamentos foi a solicitação de um estudo para avaliar a situação dos lagos. “A gente está pedindo uma vistoria da Semma pra fazer porque a gente está suspeitando que vai secar. Nós podemos antecipar porque o peixe vai entrar no período do defeso”, afirmou Macambira.
A partir da solicitação, a Sapopema e grupo de pesquisa da Ufopa estão analisando a possibilidade de realização de estudo técnico, explicou Poliane Batista: “Esse encaminhamento é importante para que seja feita uma avaliação da situação dos lagos da região do Tapará, para avaliar as variáveis ambientais, como níveis de temperatura, nível de oxigênio, profundidade, para dar um direcionamento se potencialmente quando de fato a seca se intensificar, se vai causar danos maiores. E as comunidades conseguem se organizar com autorizações de capturar espécies que vão estar no defeso como o tambaqui e o pirarucu”.
Vozes do Tapajós combatendo as mudanças climáticas
O projeto Vozes do Tapajós se preocupa com o futuro da região diante das mudanças climáticas que têm afetado o mundo inteiro. A coalizão Vozes do Tapajós pela Ação Climática, através do Projeto Saúde e Alegria, Sapopema, Cita, Citupi, Suraras, Sttr-STM e Coletivo Audiovisual de Mulheres Munduruku Daje kapap Eypi. tem se empenhado para criar soluções com a comunidade local para combater essas mudanças.
A Sapopema atua com jovens de onze comunidades das bacias do Amazonas e Tapajós, que participaram de formações para produção audiovisual sobre os impactos das alterações climáticas. Com a seca intensa, essas populações têm realizado registros que demonstram como cada área tem lidado com isso e quais suas maiores necessidades.
As produções estão sendo publicadas com as #vozesdotapajos e #VACtapajos.