Curso forma multiplicadoras em gênero e discute protagonismo na luta em defesa das Águas e da Floresta
/Pescadoras, agricultoras, extrativistas, quilombolas e indígenas dos territórios do Tapajós e Amazonas participam de primeira etapa de formação em Alter do Chão em Santarém
A Sapopema está realizando no período de 5 a 7 de março em Alter do Chão, Santarém/PA, o curso de formação de multiplicadoras em Gênero “Mulheres do Tapajós: protagonismo na luta em defesa das águas e da floresta” com apoio da TNC e parceria das organizações Mopebam, Turiarte, Tapajoara, Foqs, Cita, STTR, AMTR e FEAGLE.
A iniciativa reúne 25 mulheres multiplicadoras comprometidas com a promoção da igualdade de gênero, os direitos das mulheres e políticas públicas voltadas para aquelas ligadas à pesca. Dentre elas, há representantes de doze municípios que integram a região do Baixo Amazonas. Um dos objetivos do encontro é promover a formação de mulheres multiplicadoras em torno das questões de igualdade de gênero, destacou a coordenadora geral da Sapopema, Wandicleia Lopes: “Formá-las para se tornarem multiplicadoras em seu território e comunidade. Aqui desenvolvemos informações relacionadas à igualdade de gênero, política pública e direito das mulheres, em especial, as rurais. É importante criar esses espaços para que elas tenham esses locais de fala e possam replicar direitos, tirándo-as da invisibilidade social e econômica que vivem hoje”, conclui.
A oficina fortalece a atuação dessas mulheres e qualifica a capacidade de incidência nas agendas e pautas relacionadas a gênero, baseada no compartilhamento de conceitos e conteúdos voltados para a temática de gênero, utilizando recursos metodológicos que possam ser replicados em suas comunidades e aldeias.
A pescadora e liderança de pesca do Arapixuna, Cristina Santos, defende direitos equiparados para pescadores e pescadoras e diz que historicamente, as mulheres que praticam a atividade, são discriminadas: “Nós mulheres somos silenciadas, principalmente esquecidas e por conta da nossa categoria de ser pescadora. Essa formação de gênero nos traz uma ampliação do nosso conhecimento, rompendo barreiras, unindo forças para que possamos chegar a um lugar adequado e mostrar para a sociedade que somos capazes e temos potencial para chegar onde desejamos estar”.
A quilombola e agroextrativista Aline Mota do Quilombo Tiningú, comentou os desafios acentuados pela questão de gênero para as mulheres que produzem no campo: “Para escoar a nossa produção encontramos muitas dificuldades. Estamos aqui para aprender mecanismos de como conquistar esse espaço e direitos das mulheres que são violados e nos fortalecer para que esses direitos sejam efetivados nos nossos territórios”.
A saúde das mulheres também figura como outro grande desafio para mulheres que atuam na pesca. Rosangela Santos do município Prainha, luta desde 2005 contra dois tipos de câncer e até agora, segue na justiça em busca do auxílio. “Busco o meu benefício como pescadora e auxílio doença desde 2005 quando fui diagnosticada com o câncer de pele e 2016 no útero. O benefício foi indeferido pela perita e estou proibida de pescar por orientação médica. Tive que entrar com advogado para receber e até hoje não foi concedido”.
A artesã Ivaneide Albuquerque, da comunidade Rosário, região do rio Tapajós, ressaltou que a falta de apoio e descrédito de gênero ainda é uma batalha a ser vencida. “Nosso maior desafio é que as pessoas desacreditam que temos capacidade de exercer funções. Através desse encontro percebemos que nós subimos um degrau a mais. Cada palavra de incentivo nós vamos nos fortalecendo como mulheres, mães e sociedade porque a sociedade depende de cada uma de nós. É uma luta, mas nós vamos conseguir mudar esse cenário a partir de hoje”.
A pescadora Audina Brito do Maicá em Santarém, conta que a pesca tem sido pressionada por grandes empreendimentos e que as mulheres sofrem com a falta de acesso à locais próximos de pesca. “É um trabalho que precisamos de apoio e socorro. Hoje estamos buscando esse conhecimento para levar para nossa associação, para as mulheres. Nós só vamos conseguir se tivermos esse conhecimento”.
Cartilha de gênero é lançada em encontro e fortalece questões de gênero, direitos e políticas públicas
Guia para mulheres das águas e da floresta do Tapajós e baixo Amazonas foi produzido pela Sapopema e elaborado por equipe multidisciplinar, com membros das organizações parceiras: a Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (Sapopema), a Associação do Movimento dos Pescadores do Baixo Amazonas (MOPEBAM), o Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup Cabano) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) com o apoio da The Nature Conservancy do Brasil (Instituto de Conservação Ambiental - TNC). A cartilha está organizada em três capítulos, quais sejam: Capítulo 1- Gênero (temas introdutórios); Capítulo II- Política Pública para mulheres rurais e Capítulo III- Direitos de Mulheres Rurais. O conteúdo é base de apoio e orientação para o desenvolvimento de atividades com temas relacionados a gênero, realizadas por mulheres multiplicadoras em suas comunidades e territórios.
A presença das mulheres em atividades extrativas do rio e nas florestas na região amazônica faz parte do contexto histórico e social das comunidades rurais, considerando que sempre desenvolveram papéis vitais na sustentabilidade e desenvolvimento comunitário e no ambiente familiar. A categoria desenvolve atividades que envolvem questões sociais e ambientais, pautadas no uso equilibrado dos recursos naturais.
Apesar de sua relevância, as mulheres do rio e da floresta enfrentam o desafio de vencer a invisibilidade de seu esforço produtivo e reprodutivo imposta pela sociedade. Ao longo dos anos as mulheres das águas perceberam que precisavam conquistar autonomia em suas ações produtivas e reprodutivas como atores sociais ativos. Desta forma, foram capacitando-se para assumir protagonismo de suas próprias histórias e dar voz aos ideais humanitários e ambientais, por meio, dos movimentos de base sindicais e comunitários. Estas experiências precisam ser fortalecidas para que a categoria tenha valorização no âmbito familiar e na sociedade, pois, a contribuição das mulheres em atividades extrativas como a pesca e a agricultura, bem como, em diversas áreas, está em expansão.
“Essa cartilha é um instrumento para as mulheres para que elas conheçam seus direitos e as políticas públicas e gênero. Identificamos que muitas dessas mulheres sofrem violência e foi um dos temas que ficaram muito evidentes que elas trazem essa questão muito forte. Todas passam por violência doméstica, institucional”, destacou a pesquisadora da Sapopema, Adria Oliveira.
Para proporcionar maior visibilidade neste cenário, é necessário promover formação para que as mulheres das águas avancem em sua atuação na comunidade e sociedade. Nesse contexto que se insere a I etapa do Curso de formação de multiplicadoras em Gênero intitulado “Mulheres do Tapajós: protagonismo na luta em defesa das águas e da floresta”, promovido pela equipe técnica da Sapopema com o apoio institucional do Mopebam, UFOPA e da TNC Brasil dentro do Projeto Águas do Tapajós II Fase.
“É importante promover conhecimento sobre esses conceitos e formações acerca de direitos para mulheres de diferentes realidades e contextos, que se identificam e veem que os problemas e desafios se convergem”, explicou a coordenadora de Conservação de Base Comunitária TNC, Lucilene Amaral.