Dia Mundial do Meio Ambiente: uma agenda positiva para a conservação de pirarucu e quelônios no Baixo Amazonas

Em meio à crise que o mundo enfrenta com a pandemia, o despertar da consciência ambiental tem se mostrado ainda mais necessário. O isolamento forçado pela covid-19 aponta que as ações do homem têm prejudicado o equilíbrio do planeta. Exemplo claro disso é que a pausa no ritmo acelerado deixou o ar e os rios mais limpos. Mas será que temos feito o dever de casa quando o assunto é compreender o papel de ações positivas no cuidado do meio ambiente?

Pesca após período do defeso obedecendo à cota do manejo. Comunidade Santa Maria do Tapará.

Pesca após período do defeso obedecendo à cota do manejo. Comunidade Santa Maria do Tapará.

Você certamente já deve ter ouvido falar em manejo. Mas o que exatamente entende quando o assunto é manejo de pirarucu, ou quelônios por exemplo? Talvez já tenha ouvido algo sobre criar esses animais em cativeiro. Longe disso, o manejo compreende técnicas de conservação das espécies através de métodos cientificamente comprovados.

Na assessoria às comunidades de várzea do Baixo Amazonas, a Sapopema desenvolve capacitações para que os moradores dessas regiões desenvolvam as ações de conservação, garantindo assim a sustentabilidade e manutenção das espécies para gerações futuras. Dentre as agendas da entidade está o manejo do pirarucu na região.

“O pirarucu é uma das espécies mais emblemáticas da bacia amazônica. Ele representa um recurso de grande importância tanto ecológica quanto econômica. Mas a pesca comercial descontrolada reduziu drasticamente os estoques na década de 70” – explicou a bióloga da Sapopema, Poliane Batista.

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O manejo sustentável da espécie consiste em diversas atividades como treinamentos, vigilância dos lagos, organização comunitária, estabelecimento de acordos de pesca, contagem dos estoques, capacitações em empreendedorismo e negociações com compradores. Os manejadores só capturam a quantidade baseada na cota a partir do cálculo de indivíduos contados nos lagos. Isso quer dizer que só podem tirar 30% dos peixes adultos, deixando 70% restante para garantir a reprodução da espécie.

Conforme estatísticas de levantamento da Sapopema, em 2019 as contagens indicaram mais de 5.500 pirarucus na região do Baixo Amazonas. Realizadas nas comunidades de Santa Maria do Tapará, Costa do Tapará, Pixuna do Tapará, Tapará Miri, Ilha do Carmo e Urucurituba, as contagens identificaram o número total de 5.574 pirarucus em 19 lagos, sendo 3.018 (54 %) bodecos e 2.556 adultos (46 %). Os números representam cota de 767 pirarucus a serem capturados sustentavelmente durante a pesca de 2020 e uma estimativa de produção aproximada de 21 toneladas de manta.

Pescadores em contagem de pirarucus.

Pescadores em contagem de pirarucus.

Os resultados indicam o fortalecimento da pesca sustentável de pirarucu como fonte de renda e segurança alimentar dos ribeirinhos. Além da conservação, os manejadores de três comunidades (Tapará Miri, Costa do Tapará e Tapará Grande) participam do projeto de empreendedorismo através da parceria entre o Sebrae, Sapopema, Colônia de Pescadores Z-20, SEMAP, SEDAP e COOPSAN.

A proposta é promover a valorização do consumo de peixe oriundo de manejo, aumentar o faturamento, a produtividade e renda dos pescadores, além da elevação da capacidade competitiva dos pescadores artesanais de pirarucu manejado, fortalecendo o ordenamento e a gestão da pesca sustentável.

“A pesca manejada movimenta a economia dos municípios, das comunidades, gera oportunidades de negócios para pessoas que dependem da pesca para sobreviver. Nós da Sapopema apoiamos essas experiências de manejo comunitário porque acreditamos que esse é o caminho de desenvolvimento da pesca a ser seguido na região. Nós acreditamos no esforço de parceria para alavancar esses processos e promover políticas públicas de apoio ” – destaca o coordenador da Sapopema, Antônio José Bentes.

Manejo de quelônios

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Além da atuação com o pirarucu, a Sapopema desenvolve em parceria projetos de conservação de quelônios na região do baixo Amazonas em duas comunidades do município de Santarém: Água Preta  no PAE Aritapera e Correio no PAE Tapará. Essas experiências comunitárias de conservação de quelônios  para soltura à natureza tem sido muito importantes para reprodução da espécie nesses territórios pesqueiros da região.

Segundo a bióloga e professora da Ufopa, Priscila Miorando a única maneira de garantir a sobrevivência da espécie é através do manejo: "só o projeto de conservação tem a capacidade de garantir a manutenção dos quelônios nas comunidades. Em várias comunidades aqui da região, de Óbidos, mesmo aqui de Santarém, onde não tem projeto, basicamente nenhuma fêmea desova e as poucas que desovam o pessoal tira e com isso ficam muito raras e sumindo de algumas áreas".

Nas comunidades Água Preta do Aritapera  e Correio do Tapará os dois trabalhos expressivos revelam a importância da ação comunitária assessorada, uma vez que os esforços governamentais são limitados, e as iniciativas comunitárias acabam sendo responsáveis pela manutenção destas espécies, principalmente tracajá, nas águas amazônicas. Os moradores são guardiões da biodiversidade, utilizando-se dela sem provocar esgotamento, através de projetos e iniciativas como as elencadas abaixo.

Água Preta

Tem uma área de reserva, delimitada e firmada pela comunidade no final da década de 1990, onde nenhuma atividade é permitida, nem a pesca, com o objetivo de manter os recursos naturais, incluindo peixes, quelônios e marrecas que se reproduzem na área. O local é chamado de Tabuleiro da Água Preta e protege principalmente ninhos de tracajá, mas também de pitiú e tartaruga, todas espécies que são utilizadas como alimento por populações ribeirinhas.

Em 2016, foram protegidos aproximadamente 1300 ninhos de tracajá na área. Este número indica a quantidade de fêmeas que utilizam a área para desovar a cada ano, sendo protegidas nesta área. É importante ressaltar que a estratégia criada por esta comunidade compreende a proteção de todo o ecossistema, então os ninhos não são retirados dos seus locais originais, sendo alguns filhotes coletados na época da eclosão e mantidos em cativeiro por curto espaço de tempo para um evento de soltura, quando as crianças e demais moradores participam e se sensibilizam quanto a importância da conservação dos quelônios e da natureza de forma geral.

Correio do Tapará

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A comunidade Correio do Tapará, por outro lado, protege ninhos de tracajá realizando a transferência dos mesmos das áreas onde são encontrados para uma área preparada próxima a uma casa na comunidade. Esta estratégia acontece porque se os ninhos são deixados em seu local original, eles são saqueados. O trabalho de conservação foi iniciado por uma família em 2013 e, em 2016, foram transferidos e protegidos pouco mais de 30 ninhos, o que resultou em aproximadamente 600 filhotes liberados em natureza. Nos anos seguintes, 2017, 2018 e 2019, o número de ninhos aumentou nestes anos, atingindo 57 ninhos e devolvendo à natureza mais de mil filhotes em 2019.

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