Não Abra Mão da Sua Terra: uma campanha pela defesa do território do PAE Lago Grande

Matéria publicada originalmente em Tapajós de Fato

A campanha visa levar informações sobre os reais interesses por trás das terras públicas e que, historicamente, são utilizadas pelos agricultores familiares, que vêm ameaçando o bem viver dos assentados do PAE Lago Grande.

Cartaz da Campanha Não Abra Mão da Sua Terra.

Cartaz da Campanha Não Abra Mão da Sua Terra.

PAE Lago Grande, um território coletivo

O Projeto de Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande - PAE Lago Grande, localizado entre os rios Amazonas e Arapiuns, faz fronteira com o município de Juruti. Sua área corresponde a cerca de 250 mil hectares, 153 comunidades com mais de 6.600 famílias, há também populações indígenas, ribeirinhas, que trabalham com extrativismo, agricultura de base familiar, pecuária e pesca.

O PAE Lago Grande é um assentamento ambientalmente diferenciado, enquanto os assentamentos tradicionais da Reforma Agrária são titulados individualmente, onde cada família recebe o documento do seu lote de terra, os assentamentos diferenciados recebem título coletivo, onde não um dono, mas todos do território podem usufruir da terra.

Os assentamentos diferenciados recebem essa configuração  quando estão localizadas em regiões de grande biodiversidade, como é o caso Lago Grande, que tem áreas densas de florestas e áreas onde moram populações tradicionais, isso faz com que não seja regularizado com lotes individuais, a proteção da terra é feita coletivamente, com um Cadastro Ambiental Rural (CAR) único, que serve para todos os comunitários, bem como deve-se ter apenas um CCDRU (Contrato de Concessão de Direito Real de Uso), documento que os assentados lutam para conseguir junto ao INCRA.

Jovens do PAE Lago Grande, em 2019, na Romaria do Bem Viver, que reuniu mais de 2 mil jovens em defesa do território. Foto: Greenpeace

O solo do PAE Lago Grande

O solo dessa região é rico em recursos naturais, principalmente minerais, como a bauxita, por exemplo; empresas do ramo da mineração especulam explorar esse recurso dentro do PAE há anos. A luta dos moradores do assentamento garantiu que até a destruição não fosse iniciada. A justiça proibiu até o tráfego de veículos, ou algo que identifique, de empresas que mineram na região do Baixo Amazonas e  que querem entrar no PAE Lago Grande.

Entretanto, a mineração não é a única ameaça a este assentamento, a retirada ilegal de madeira, a pesca predatória são alguns dos problemas que ameaçam o bem-viver de todos os assentados. 

 RESGATE HISTÓRICO DA CAMPANHA

A campanha: “Não Abra Mão de Sua Terra” é uma das bandeiras de luta do STTR de Santarém e teve seu início pela primeira vez em 2009. Naquela época, nos municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, que compõem hoje a região metropolitana de Santarém, a monocultura da soja expandiu-se pela região, por conta disso, os trabalhadores e trabalhadoras rurais estavam perdendo suas terras e o sindicato, em parceria com outras organizações, teve a iniciativa de realizar algo que pudesse chamar a atenção desses agricultores e agricultoras que estavam deixando suas terras e cedendo espaço para que a soja ganhasse território. 

Foi a partir daí então que surgiu a campanha cujo objetivo era sensibilizar as famílias de agricultores para que não abrissem mão de suas terras, que não negociassem seus lotes, pois além de expulsar esses agricultores do seu bem viver, muitas consequências estavam por vir com a venda da terra. Entre essas consequências a lotação das periferias da cidade, pois os valores das vendas das terras  só permitia aos agricultores a compra de um pedaço de chão. Além do mais, as famílias ficavam sem terra para poder cultivar os produtos que garantiam a alimentação e a geração de renda. 

Problemas sociais como violência, prostituição e desemprego foram outras consequências da venda das terras. A terra para os agricultores e agricultoras representa a mãe, a vida e a riqueza. Em 2017, na região do Ituqui e Corta Corda, no planalto santareno, os trabalhadores e trabalhadoras rurais dessas duas regiões estavam sendo aliciados e até ameaçados com a compra e venda ilegal de terras nestes dois assentamentos, e mais uma vez o sindicato, com o apoio de parceiros como a Comissão Pastoral da Terra, FASE, Terra de Direitos voltou a realizar a campanha. Com a campanha os resultados foram visíveis, pois foi perceptível a redução do comércio de áreas públicas.

Desde a criação do PAE Lago Grande há interesse dos grandes empreendimentos neste território, mas como o PAE é coletivo tornou-se um obstáculo juridicamente para que empresas pudessem ampliar seus negócios. Entretanto, com o governo Bolsonaro, a disputa pela terra ficou bastante acirrada, o que possibilitou que aliciadores contratados pelo capital das grandes empresas, como a multinacional Alcoa, começasse a investir pesado, colocando pessoas que andam nas comunidades pregando narrativas ilusórias como se o fato da venda da terra fosse o desenvolvimento para as famílias e para a região. 

O desenvolvimento é apenas para essas empresas que retiram o que lhes serve no subsolo e vão embora deixando somente a destruição no território. O município de Juruti, também no oeste do Pará, é um dos exemplos do legado de destruição que a ambição pela bauxita ocasionada pela Alcoa deixou para as comunidades de Juruti Velho. A fauna e a flora, junto com a vida de famílias de agricultores e agricultoras familiares foram destruídas em detrimento do lucro para alguns e mazelas para muitos.

NOVA ETAPA DA CAMPANHA 

Neste novo ciclo, a campanha pretende levar informações dos interesses dos grandes empreendimentos, para as três (03) regiões que compõem o Pae Lago Grande, que são: Arapiuns, Arapixuna e Lago Grande. A campanha teve seu pontapé inicial ainda em 2020, mas devido à pandemia de Covid-19, o trabalho de mobilização das comunidades teve que ser paralisado, em obediência aos decretos dos governos, ficando então a campanha somente através das redes sociais.

Já no segundo semestre de 2021, com a flexibilização das restrições, o trabalho finalmente foi retomado com a formação de lideranças e depois a juventude, esta última o STTR de Santarém tem apostado bastante para que sejam os grandes protagonistas das lutas pela manutenção e defesa do território. Nesta nova etapa, a campanha terá além do STTR-STM e FEAGLE, a parceria da Fase, Terra de Direitos, Grupo Mãe Terra, Tapajós de Fato, Pastoral da Juventude, Pastoral Social, Comissão Pastoral da Terra e o coletivo de jovens Guardiões do Bem Viver, formado em 2019 a partir da realização da Romaria da Terra, onde cerca de 3 mil jovens entre homens e mulheres se organizaram para dar o seu grito de alerta na defesa do território do PAE Lago Grande.

Ao longo da campanha será realizado um Diagnóstico Participativo junto às famílias e que vai nortear o Plano de Desenvolvimento do PAE Lago Grande. Para consolidar a campanha devem ser realizadas 4 audiências públicas. 

Muita coisa está em jogo com os interesses dos grandes projetos, não só a terra, mas principalmente a vida, a floresta, os rios e igarapés, os modos de vida da população, gerando consequências podem ser irreversíveis.

A campanha é dos moradores

Vale ressaltar que a campanha não é do Sindicato ou Feagle, mas sim dos moradores do PAE Lago Grande. Estes são os verdadeiros defensores do seu bem viver, da sua produção, dos seus modos de vida, da sua terra e da sua dignidade.

Segundo Rosenilce dos Santos Vitor, presidente da Feagle, a organização mantenedora do território, o objetivo é conseguir, através da campanha, “fazer com que essas famílias, esse coletivo que convive dentro desse território entendam a importância de lutar para defender a terra, porque a gente precisa ter consciência pela defesa desta terra e...não abrir mão de toda essa riqueza que a gente tem dentro do nosso território”- disse a presidente da Feagle.

O vice-presidente do STTR, Edilson Figueira, fala que a campanha será executada em 124 comunidades e aldeias, "mas que irão desenvolver em outros meios, utilizando folders”. Edilson contou também o que se espera a partir desta campanha “é levar informações àquelas famílias que estão lá dentro do território do PAE Lago grande para que sensibilizem os contrários ao assentamento e tenham clareza que a terra é uma fonte de subsistência e fonte de vida não somente para nós, mas para nossas futuras gerações. De toda essa riqueza que é o nosso bem viver” – finalizou o Vice-presidente do STTR, que também é morador do assentamento.

O assédio às terras e a resistência dos moradores

Segundo  Antônio  Oliveira, morador da comunidade Bom Futuro, na região do Arapiuns,  pessoas de fora do PAE já lançaram propostas para comprar sua área, “várias pessoas, várias entidades”. Antônio falou que não abre mão da sua terra, e que  luta “por esse território por causa das presentes e futuras gerações”.

O motivo pelo qual Antônio Oliveira disse porque não vendeu sua terra é porque, “todos os outros territórios já estão ocupados, se a gente vende o território que a gente tem, a gente não vai encontrar outro lugar na parte desse território... porque senão a gente não vai ter onde trabalhar”.

Sobre as ameaças ao território do PAE, Antônio falou que tem muitos projetos que estão tentando desenvolver projetos dentro da região que “vem trazendo muita preocupação para todos os familiares”. Antônio disse que sente preocupado pois,  alguns dos seus vizinhos já venderam suas terras, “quando um abre mão ou vende, ele vai influenciar alguém também a fazer a mesma coisa”

Antônio deixou um recado para quem deseja vender sua terra: “ que pense muito bem, que tem os filhos, os netos e tem muitas pessoas que também precisam usufruir desse território”. Disse também que pode ajudar na campanha Não Abra mão da sua terra, “indo nas comunidades chamando as famílias para fazer essa sensibilização da importância que é essa campanha” – finalizou o morador do assentamento.

*Esta matéria foi produzida com a colaboração da juventude do PAE Lago Grande que atuará na campanha Não Abra Mão da Sua Terra.