Evento recomenda medidas para frear impactos do Mercúrio na bacia do Tapajós
/Documento reúne recomendações apresentadas durante o seminário virtual “Mercúrio na bacia do Tapajós: impactos na saúde e na economia de populações tradicionais”;
Pesquisas realizadas na região do Tapajós têm evidenciado a gravidade dos impactos do mercúrio que representam risco à saúde, ao meio ambiente e à sociedade, explicou o médico Erick Jennings durante o encontro virtual. “Nós examinamos, fizemos monitoramento clínico e exame laboratorial dos níveis de mercúrio no sangue em 109 indivíduos. Foram envolvidos na pesquisa pessoas de cinco rios diferentes, o Cururu, o Cabitu, o Tropas, o Teles Pire, o Tapajós e o Kadiriri. As coletas dos dados tiveram duração de dois dias. Foi observado através desse monitoramento que 99,09% dos pacientes atendidos estavam com níveis de mercúrio acima do recomendado pela OMS, com nível médio de 67,2 µg/l. Considerando-se que a OMS preconiza como normal um nível de até 10 µg/l. Foi verificado que 29,5% dos pacientes apresentaram níveis entre 10 e 50 µg/l (média de 30 µg/l), 53,6% apresentaram níveis entre 50 e 100 µg/l (média de 74 µg/l) e 14,3% apresentaram níveis acima de 100 µg/l (média de 119,5 µg/l)”.
O mercúrio pode causar uma variedade de efeitos tóxicos adversos para a saúde humana e afetar diferentes órgãos. Esses efeitos dependem da forma química do mercúrio que a pessoa está exposta. Na Amazônia a exposição ao mercúrio acontece através da exposição ocupacional do valor de mercúrio e ambiental do metilmercúrio. Segundo a professora e pesquisadora da Ufopa, Heloísa Nascimento, na bacia do rio Tapajós, estudos mostram que espécies de peixes consideradas de hábito carnívoro, como pescada branca, tucunaré, filhote, dourada e surubim, possuem níveis de Hg acima do limite recomendável para consumo humano pela OMS. As populações ribeirinhas consomem em média 8 a 9 refeições de peixe por semana, o que traz um risco à saúde. Por isso esse tema quer atenção principalmente aqui na região. O metilmercúrio está dentre os metais contaminantes no maior nível de toxicidade devido às suas características de biomagnificação e bioacumulação nos diferentes níveis tróficos. No que refere a bioacumulação, é o processo no qual os organismos podem absorver metilmercúrio mais rapidamente do que seus corpos podem eliminar. No caso da Biomagnificação é o aumento na concentração de metilmercúrio ao longo da cadeia alimentar. Por isso, os peixes considerados topos de cadeia possuem maiores concentrações de mercúrio.
Durante o evento, o Prof. Dr. Paulo Basta apresentou dados de um estudo liderado pela Fiocrus em parceria com o WWF-Brasil, que avaliou a contaminação em habitantes de terras indígenas no médio rio Tapajós. A pesquisa realizada entre os meses de outubro e novembro de 2019 analisou 35 domicílios e entrevistou 200 pessoas. Os resultados indicaram claras evidências dos efeitos prejudiciais da contaminação por mercúrio em três aldeias indígenas – Sawré Maybu, Poxo Maybu e Sawré Aboy - e demonstraram que a atividade garimpeira vem afetando em grande escala o uso do solo nos territórios tradicionais da Amazônia, com impactos socioambientais diretos e indiretos para as populações locais, incluindo prejuízos a saúde, economia local e serviços ecossistêmicos.
“Nas três aldeias, um conjunto enorme de pessoas apresentaram níveis de mercúrio acima de 06, isto é, do limite considerado seguro. Na aldeia Sawré Muybu, 04 em cada 10 pessoas apresentaram níveis elevados de mercúrio; na Poxo Muyby, 06 em cada 10 pessoas apresentaram níveis elevados de mercúrio; e na Sawré Aboy, quase 09 em cada 10 pessoas apresentaram níveis de mercúrio acima dos limites recomendados. Vale dizer que foram detectados níveis de mercúrio em todas as amostras de todos os participantes” - disse.
Esses efeitos preocupam lideranças representativas como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Oeste do Pará e Baixo Amazonas.
“Os principais prejudicados nesse momento são as populações ribeirinhas, dos campos, das florestas e das águas. Além do mercúrio, o avanço da mineração, uso do agrotóxico também tem adoecido a população. Mas quando a gente fala do mercúrio, ele avança muito além da bacia do Tapajós, algumas experiências da própria UFOPA mostram que nas comunidades do rio Amazonas pessoas estão com índice muito alto de mercúrio” - contou Gracivane Moura - STTR.
“Nossa categoria é uma das mais afetadas pela contaminação do mercúrio, porque o pescado é nosso produto, é a nossa roça. Então nós precisamos garantir um pescado de qualidade. Mas nós não sabemos se estamos produzindo uma produção contaminada ou uma produção com baixa concentração de mercúrio” - relatou Luiz Vinhote do Mopebam.
Darcilene Godinho do Grupo de Defesa da Amazônia ressaltou que a luta contra a garimpagem ilegal em defesa do seu território iniciou ainda na década de 90 quando o GDA identificou uma série de impactos ambientais que estavam ocorrendo na bacia do Tapajós, em especial no Alto Tapajós, em decorrência da atividade garimpeira. Reiterou que na década de 50 a exploração mineral aumentou bastante, mas explodiu a partir da década de 70, em cujo processo de extração mineral faz-se uso do mercúrio, um material poluidor.
Participaram diretamente do evento, 251 pessoas, oriundas de instituições de ensino públicas e privadas, organizações não governamentais, instituições de pesquisa, organizações governamentais, movimento social, indígenas, quilombolas, pescadores, agricultores, sindicatos, discentes da graduação e da pós-graduação e público em geral.
Para compor à mesa de debate, foram convidados como palestrantes pesquisadores e professores que estudam sobre o tema na região, além de, representantes dos povos tradicionais (indígena, pescador e agricultor) que tem vivenciado os problemas da contaminação mercurial em suas comunidades: Caetano Scannavino (Projeto Saúde e Alegria), Antônio José Bentes (SAPOPEMA), Darcilene Godinho (GDA), Professora Dra. Heloisa Nascimento (UFOPA), Prof. Dr. Paulo Basta (Fiocruz), Dr. Erik Jennings, Karo Munduruku – representante indígena, Luiz Vinhote “Lulu” (MOPEBAM), Gracivane Rodrigues (STTR- SANTARÉM), Paulo de Tarso (MPF), Ione Nakamura (MPPA), Airton Faleiro (Deputado Federal) e Sérgio Leitão (Instituto Escolhas). A composição dos referidos nas mesas de debate, possibilitou realizar um confronto entre a realidade vivenciada nas comunidades tradicionais e os dados científicos produzidos nas pesquisas realizadas nos últimos anos.
Para a coordenadora da Sapopema, Wandicleia Lopes o seminário proporcionou um momento de debate qualificado e construção de proposta que ajudem no controle da Poluição Mercurial na bacia do Rio Tapajós e adjacentes, em especial na vida das famílias que vivem às margens desse rio. Como produto do evento foi pactuada uma lista de recomendações baseada nos dados científicos apresentados e na realidade que as comunidades estão vivenciando. Agora as instituições organizadoras do evento devem reunir e fazer os encaminhamentos baseado nas diretrizes dadas no Seminário” - destacou.
O evento contou com o suporte da facilitação gráfica, instrumento para ilustrar a fala dos palestrantes e atrair a atenção dos participantes.
Confira as recomendações aqui
RECOMENDAÇÕES DO SEMINÁRIO “MERCÚRIO NA BACIA DO TAPAJÓS: IMPACTOS NA SAÚDE E NA ECONOMIA DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS”
1) Monitoramento sistemático dos níveis de mercúrio nas populações indígenas e ribeirinhas;
2) Monitoramento clínico sistemático de possíveis alterações neurológicas decorrentes dos altos níveis de mercúrio no organismo;
3) Criação de programa específico de saúde que tenha como objetivo reduzir o risco da exposição das mulheres em idade fértil a altos índices de mercúrio no organismo;
4) Criação de programa de orientação dietética para minimizar exposição ao Hg;
5) Acionar instituições competentes para um amplo controle e mitigação das degradações ambientais que provocam maior exposição humana ao metilmercúrio;
6) Estabelecer espaço de diálogo entre a população Munduruku e as instituições de saúde, para juntos compreender e intervir na proteção da saúde no contexto da problemática do mercúrio;
7) Interrupção imediata da atividade garimpeira e desintrusão de terras união;
8) Em paralelo, desenvolver um plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal (MINAMATA, 2013);
9) Elaborar um Plano de Manejo de Risco (PMR) para as populações cronicamente expostas ao mercúrio. O plano deve conter um conjunto de orientações e ações integradas, como:
9.1 Ampliar o monitoramento de níveis de mercúrio nos peixes consumidos não somente nos territórios tradicionais, mas também nas áreas urbanas da Amazônia.
9.2 Elaborar um conjunto de orientações à população das áreas afetadas, contendo subsídios sobre o consumo seguro de pescados, com informações claras acerca dos riscos à saúde, assim como às restrições de ingestão para as espécies mais contaminadas, respeitando aspectos culturais relativos a cada grupo étnico, em particular.
- Peixes com risco muito alto: consumir no máximo uma vez ao mês;
- Peixes com alto risco: o consumo não deve exceder 200 gramas por semana;
- Peixes com médio e baixo risco: não apresentam restrições para o consumo;
- Mulheres grávidas devem evitar o consumo de peixes piscívoros (piranha preta).
9. 3) Incluir a testagem dos níveis de mercúrios em amostras de cabelo na rotina das ações desenvolvidas no programa de atenção pré-natal e no programa de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, no âmbito do SUS;
9.4) Elaborar um Protocolo de Atendimento Básico aos Contaminados com apoio de especialistas para ser incorporado à rede SUS;
9.5) Aprimorar a notificação de casos de contaminação crônica por mercúrio, sobretudo os provenientes de áreas impactadas pelo garimpo na Amazônia.
9.6) Promover instrução aos agentes de saúde a respeito da contaminação.
10) Promover um Programa de Pesquisa e desenvolvimento científico (em parceria com universidades e institutos de pesquisa) para realização de estudos mais aprofundados a fim de ampliar o conhecimento sobre os impactos à saúde das populações cronicamente expostas ao mercúrio, garantindo investimento contínuo, por intermédio de financiamento regular;
11) Elaborar mecanismos de Proteção Financeira ao Setor Pesqueiro, a fim de evitar que pescadores artesanais sejam impactados economicamente pela restrição ao consumo de diversas espécies de peixes contaminados, enquanto a contaminação não seja interrompida. Princípio Poluidor-Pagador;
12) Formular políticas públicas que visem criar alternativas econômicas sustentáveis às comunidades indígenas afetadas pela mineração, a fim de garantir a segurança e a soberania alimentar e o respeito às tradições ancestrais;
13) Aprimorar, fortalecer e apoiar ações intersetoriais destinadas ao combate à ilegalidade na extração, na produção e na comercialização do ouro proveniente de Terras Indígenas, assim como ao contrabando de mercúrio, em todo o território brasileiro;
14) Lançar uma campanha pela proibição da importação de mercúrio;
15) Promover novos debates sobre a problemática da contaminação mercurial;
16) Desenvolver ações de prevenção e combate à presença de garimpeiros nas Tis;
17) Implementar um programa de intervenção social, para acolher os moradores e analisar socialmente através do estabelecimento de uma rede multidisciplinar com assistência social para amparar indígenas e não indígenas de áreas de garimpo.
18) Formar frente popular com instituições locais, estaduais e federais em defesa da bacia do Tapajós.
19) Investir em tecnologias para melhorar os processos de mineração e garimpagem para evitar o lançamento do mercúrio na natureza.
20) Aprofundar debate sobre outras fontes de contaminação por mercúrio na região em novo seminário. Exemplo: desmatamento, queimadas.
21) Investir em novas tecnologias para supressão do mercúrio na mineração.
22) Investir em educação e pesquisa por meio de campanhas com ênfase à denúncias para combater ilegalidade de garimpo nas terras indígenas para responsabilização criminal de quem causar dano.
23) Consolidar uma base de informações técnicas e objetivas sobre a temática para ter conhecimento real do que está acontecendo.
24) Criar Fórum de mercúrio com a participação das Colônias de Pescadores, Ministérios Públicos, Universidades, Sociedade Civil Organizada e Instituições Públicas relacionadas ao tema.
25) Realizar capacitação de profissionais de saúde da área ribeirinha e indígena, e atividades de educação em saúde para pescadores.
26) Encaminhar relatório do Seminário ao Ministério Público para direcionar recomendações aos atores envolvidos.