Campanha incentiva valorização do pirarucu de manejo no Pará
/Iniciativas de conservação do pirarucu localizadas na região do Baixo Amazonas pretendem garantir o estoque pesqueiro. Para incentivá-las, organizações estão promovendo campanha junto a restaurantes, feiras, mercados e população;
O maior peixe de escama de água doce do mundo corre risco de extinção no Pará. De acordo com um estudo 2014 desenvolvido em 81 comunidades do Baixo Amazonas paraense, o pirarucu está extinto em 19% das comunidades, ameaçado de extinção em 57% delas e super-explorado em 17%. No entanto, os estoques de pirarucu estão sendo recuperados em algumas comunidades de várzeas graças ao manejo participativo e sustentável.
Nas comunidades Santa Maria do Tapará, Tapará Miri, Pixuna, Tapará Grande e Costa do Tapará (município de Santarém) e Ilha do Carmo e Urucurituba (Município de Alenquer), além do cumprimento das regras de tamanho mínimo captura (1,5m) e período de defeso (IN 34/2004) estabelecidas pelo – IBAMA, os pescadores definem em seus territórios acordos de pesca que normatizam as regras válidas que restringem ainda mais o uso do recurso. Baseados nesses acordos, eles realizam vigilância dos ambientes aquáticos contra ação de invasores, promovem levantamento de estoque através das contagens de pirarucu e, a partir disso, estabelecem cotas de pesca (30% do número total de pirarucus do lago). Por exemplo, a cada dez pirarucus contados, capturam apenas três.
“Já faz mais de vinte anos que essas comunidades desenvolvem manejo do pirarucu que envolve todo um esforço comunitário a partir de um processo de organização e sistema de vigilância dos lagos, e um trabalho de contagem para monitoramento do estoque, conservação e estabelecimento da cota” - contou o coordenador da Sapopema, Antônio José Bentes.
O esforço dos comunitários para o manejo sustentável compreende diversas etapas, como a organização comunitária, zoneamento da área, respeito a legislação e estabelecimento de acordos de pesca, vigilância dos lagos, contagens, pesca sustentável, comercialização da produção e avaliação. A iniciativa exige uma dedicação enorme, e muitas vezes o pescador não é devidamente valorizado.
A campanha liderada pela Sapopema, Sebrae e Colônia de Pescadores Z-20 e apoiada por Mopebam, Ufopa, Sedap, Semap, CPP, EII e Tinker é uma continuidade de uma estratégia de valorização do pirarucu que começou em 2018 com a realização de capacitações em empreendedorismo, rodadas de negócios, cursos de filetagem e manipulação. Nesta fase a campanha pretende fortalecer o consumo desse peixe, e incentivar consumidores a pedir aos proprietários de restaurantes e feiras que forneçam o peixe de conservação. "É um trabalho importante, necessário e único dentro do nosso município e que já tem resultados muito positivos quanto a compreensão das comunidades bem como essa conscientização de cunho ambiental" - comentou o Secretário de Agricultura e Pesca, Bruno Costa.
“O projeto tem essa dimensão de que nós possamos divulgar e levar o conhecimento de que o peixe de manejo é diferente do peixe de cativeiro. O próximo avanço é nesse direcionamento. O pirarucu de manejo é diferenciado e os diferenciados tem um valor de agregado” - ressaltou o gerente regional do Sebrae, Michel Martins.
A intenção é oportunizar meios para escoação do pirarucu produzido na região no próprio município de origem, de forma a gerar renda para as populações tradicionais e promover o entendimento do esforço que comunitários tem para garantir o futuro da espécie. A campanha informativa pretende disseminar conteúdos de forma clara sobre o manejo sustentável do pirarucu na região através de banners espalhados em restaurantes e feiras, folders interativos nas redes sociais, vídeo educativo, e artes gráficas. Para o diretor da Colônia de Pescadores Z-20, João Mário Pinto, a campanha cumpre um papel importante para esclarecer a população do esforço comunitário: “muitas pessoas acham que é fácil manejar”.
O Coordenador Regional da SEDAP em Santarém, Alisson Castro ressaltou a importância da parceria para ações de conservação da biodiversidade: “A Sedap busca apoiar as iniciativas que visam a conservação dos recursos naturais, na qual se destaca o manejo do pirarucu realizado por pescadores da grande região do Tapará, onde hoje é realidade a manutenção do estoque nos lagos e a segura disponibilidade para venda no mercado local mostrando ao consumidor as diversas etapas percorridas pelos atores até a venda. Dessa forma valorizando o produto pelo equilíbrio social, ecológico e financeiro”.
Pirarucu manejado na mesa
Em Santarém, alguns restaurantes tem como estratégia de conservação o produto oriundo do manejo. Fundada em 2005, a Peixaria Rayana é referência na gastronomia a base de peixe. Segundo o proprietário Raimundo Vasconcelos, o pirarucu é um dos mais vendidos no local e é proveniente de uma parceria com as comunidades que desenvolvem o manejo: “a gente pratica há muitos anos, apoia essas comunidades. Eu tenho a ilha de São Miguel como meu ponto de referência. A gente dá muito valor pra eles da comunidade” - ressalta sobre a aquisição do peixe direto na comunidade.
Eleito o melhor restaurante do norte do Brasil em 2018 e 2019 pela conceituada Revista Prazeres da Mesa, a Casa do Saulo tem no cardápio o pirarucu como um dos carros-chefe. Além de ter o sabor peculiar, agregado possui o valor da conservação, conta o chef Saulo Jennings que adquire o produto da comunidade Pixuna do Tapará, uma das manejadoras do Baixo Amazonas: “Isso tudo eu não sabia há dez anos. Tinha noção só. Depois de três anos de restaurante que olhei a quantidade de pirarucu que vinha pra mesa do nosso restaurante eu me preocupei. Cheguei a pensar em fechar o restaurante. Mas eu disse se eu fechar alguém vai estar comendo, então eu tenho que ir na raiz desse problema. Foi aí quando a gente foi atrás das comunidades que estavam preocupadas e fomos dar força” - relata.
Mas afinal, o que é a contagem do pirarucu?
Os procedimentos utilizados para contagem de pirarucus seguem o método de Castello (2004), onde os pescadores demonstram sua habilidade de contar quando observam e escutam a boiada do pirarucu no momento em que ele vem à superfície da água realizar a sua respiração aérea. Segundo a bióloga da Sapopema, Poliane Batista, cada pescador conta quantos pirarucus observou em uma unidade de área durante um intervalo de 20 minutos. Somente pirarucus maiores de 1 metro são contados, sendo classificados em duas categorias: juvenis (bodecos) (1-1,5 m) e adultos (>1,5 m). Os pescadores devem fazer as contagens de forma silenciosa para assegurar a acurácia das contagens e evitar que o comportamento do pirarucu seja alterado.
Benefícios do manejo
A iniciativa apresenta resultados ecológicos pois conserva o pirarucu nos ecossistemas de várzea e proteção de outras espécies, como quelônios e diversos peixes, econômico porque contribui para a renda dos pescadores e aumenta a disponibilidade peixe para consumo a preço acessível, e social fortalecendo a organização social, promovendo a capacitação dos pescadores e gerando bem-estar às famílias, e contribui com investimentos para melhorar locais de uso comum.